quinta-feira, 5 de julho de 2012

Congresso Internacional do Medo II - 24/12/2001


"Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar."
Carlos Drummond de Andrade


          Então fica assim: a partir de agora está instituído o domínio da mediocridade no lugar da excelência, e ao invés de nos esforçarmos para que tudo seja melhor, vamos fazer apenas o que a média da população faz: alguns pontos acima da linha mínima que nos permitam sermos aceitos pelos outros e até sermos considerados iguais. Porque no novo sistema a diferença não será tolerada.
               Fica definida a primazia do dever sobre o prazer, e o dever deverá sempre ser feito com um sorriso estampado no rosto de forma que todos se convençam de que estão fazendo a coisa certa. E que um dia todos se satisfaçam com o cumprimento de suas obrigações e que acreditem que são felizes. Isso deverá ser feito a qualquer custo. Deverá ser feito até se for mentira, e nesse caso, está mentira deverá ser contada como verdade e será absolutamente obrigatório que TODOS acreditem nela.
               A alegria franca e a risada escancarada deverão ser substituídas pelo sorriso de cortesia permanente, que fará com que todos pensem que não há momentos felizes de destaque, e que, portanto, na média, todos somos felizes do jeito que nos encontramos. A felicidade não vai depender do que acontece com você e sim da sua capacidade de manter o seu sorriso de cortesia. Esse seu sorriso será incentivado sempre pelas demais pessoas que também manterão o sorriso hipócrita delas, e você ao ver tantas pessoas sorridentes sentir-se-á impiedosamente impelido a emitir o seu sorriso amarelo.
               Fica decretado que cada um de nós deverá mandar suas expectativas para o espaço - para não dizer outro lugar - em cápsulas espaciais gentilmente cedidas pela administração e delicadamente chamadas de ACS - Aparelhos Castradores de Sonhos. Vivendo sem expectativas não correremos o risco de nos decepcionar (ou estaremos tão permanentemente decepcionados que nem notaremos a diferença), e nossa vida será tão satisfatoriamente medíocre que chamaremos isso de felicidade. Quem for insensatamente resistente e teimar em manter um sonho de estimação deverá ser banido de nossa sociedade e enviado para o espaço em ACS’s especiais dotados de grades, camisas-de-força e Equipes de Lobotomia.
               No Admirável Mundo Novo instituído deverão ser proibidos a posse e o manuseio de fotografias para que ninguém fique preso no passado, mergulhado num mundo que já não existe e que jamais existirá. As fotografias são perigosas armadilhas que levam a crer em utopias e fugir da realidade. Aliás, fica combinado também que lembrar momentos felizes do passado é negar que se pode ser feliz no presente. E mesmo que o presente se mostre insatisfatório, não deverão ser feitas comparações com momentos que não existem mais. Só será permitida comparação com pessoas que nos rodeiam, imersas nas mesmas contingências acima citadas, e acreditaremos que não é mesmo possível outro tipo de vida. Sem contato com outras realidades e sem lembranças de melhores momentos, nos restará conformarmo-nos com o que temos.
               Ocasionalmente será permitido se falar em teorias e abstrações, mas apenas para se demonstrar conhecimento. Para cumprimento do disposto anteriormente, será necessário que nossas ações sejam contrárias ao que desenvolvemos em teorias, deixando bem claro que não acreditamos naquilo que falamos, que é só uma brincadeira, uma coisa para que ingênuos, sonhadores banidos e crianças. Algo como o Papai Noel, que todos sabemos não existir, mas de quem todos falamos como se o conhecêssemos.
               Enfim fica decretado que a vida que deverá ser vivida será aquela sem crenças, sem horizontes e sem esperanças. No entanto deverá ser vivida como aquela que sempre almejamos, aquela que nos plenificaria, aquela que desejaríamos para quem amamos (a propósito, ainda encontra-se indefinido se o amor será permitido ou não). Fica decretado que todos deverão estar satisfeitos com o que têm, que deverão cuidar da aparência, pois nessa conjuntura predominará a aparência em detrimento da realidade, o que demonstramos ser ao invés do que somos. Mas nada mais importará. Essa será a realidade imutável.
     E amanhã, como diria Drummond, "sobre os nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas".

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